Linguagens de poder, cadeias iniciáticas, identidade e coesão social na sociedade Felupe (Guiné-Bissau)

Abstract

O assunto desta tese insere-se na problemática global das relações políticas tecidas nas sociedades africanas e centra-se, numa perspectiva interdisciplinar, na análise das linguagens de poder. As patentes "crises" do Estado pós-colonial, a acção desestruturante da globalização e a ineficácia da aplicação de modelos exógenos de poder às realidades africanas têm fortalecido a convicção de que se impõe a necessidade de construção de identidades individuais e colectivas alicerçadas em linguagens de poder "outras" que exprimam uma ética política africana própria e renovada, hipótese testada na sociedade Felupe (Joola-ajamaat), na Guiné-Bissau. Esta sociedade é gerida por um sistema religioso-político que, através de uma cadeia iniciática complexa, escolhe, prepara e legitima os detentores de autoridade. Todavia, embora tenham conseguido adaptar-se às exigências que sucessivas alterações conjunturais foram impondo, na actualidade, novos factores, induzidos pela cada vez maior imposição de "conectação" ao "mundo globalizado", ameaçam alterar a "ordem" sobre a qual repousa a própria autoridade. Estes factores transportam conflitos sociais que questionam as formas e processos de legitimação do poder e, associados à incapacidade de o Estado guineense "tutelar" integralmente a "nação", ameaçam, a todos os níveis, a gestão desta sociedade. Neste quadro societal marcado por profundas e rápidas mudanças, importou analisar as relações e dinâmicas existentes entre a cadeia iniciática e o poder para a compreensão da capacidade de adaptação das linguagens de poder, geradas e legitimadas pelo processo iniciático, para assegurar a manutenção da ordem e coesão social.

The subject of this thesis is part of the global problematic of the political relations woven into African societies and focuses, from an interdisciplinary perspective, on the analysis of the languages of power. The patent "crises" of the post-colonial state, the destabilising action of globalisation and the ineffectiveness of applying exogenous models of power to African realities have strengthened the conviction that there is a need to construct individual and collective identities based on "other" languages of power that express their own renewed African political ethic, hypothesis tested in the Felupe (Joola-ajamaat) society, in Guinea-Bissau. This society is managed by a religious-political system which, through a complex initiatory chain, chooses, prepares, and legitimises those in authority. However, although they have managed to adapt to the demands that successive conjunctural alterations have imposed, nowadays new factors, induced by the ever greater imposition of "connection" to the "globalised world", threaten to alter the "order" on which authority itself rests. These factors lead to social conflicts that question the forms and processes of legitimising power and associated with the Guinean State's inability to fully "protect" the "nation", threaten the management of this society at all levels. In this societal framework marked by profound and rapid changes, it is important to analyse the relations and dynamics existing between the initiation chain and power in order to understand the capacity of adaptation of the languages of power, generated and legitimised by the initiation process, to ensure the maintenance of order and social cohesion.