A tarefa de ser: tradição, lugar e finitude humana: da cultura japonesa à reflexão antropológica

Abstract

No cerne do projeto antropológico e das várias ciências humanas e humanidades sempre esteve a procura por compreender o enigma que é a natureza e a condição humanas – contudo, o enigma persiste. Na verdade, a reflexão sobre as condições e possibilidades da sua própria existência constitui para o humano a maior das suas capacidades, mas também a mais inefável das suas limitações. A antropologia poucas vezes reconhece isto; ou quando reconhece, não o transporta com o devido peso para as suas reflexões. Escusado será dizer que a presente tese não tem intenções de resolver o enigma. Procura antes tratar de alguns aspetos da condição humana que talvez expliquem as razões pelas quais é da natureza desse enigma ficar por resolver. Radicada na fenomenologia hermenêutica de Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer e tendo como interlocutores uma aldeia rural no noroeste do Japão, assim como alguns aspetos pontuais (de natureza etnográfica, histórica e filosófica) da cultura japonesa, as várias reflexões aqui presentes constituem-se como um exercício de natureza dialógica em torno de diferentes questões: a natureza da tradição, ou da nossa relação com a história, a essência dos lugares e do ato de os habitar, as limitações do discurso antropológico sobre a subjetividade, a reflexividade, o "self" e a pessoa, e as ideias de divino e de finitude humana. Transversal a essas reflexões estará uma atenção e preocupação particulares com aquilo que antecede o indivíduo, a sua subjetividade e reflexividade e, portanto, com o que "funda ontologicamente" aquilo que somos e podemos ser. Entrever o enigma, ou o problema, que o humano é passa, em primeiro lugar, por compreender que há sempre algo no que somos que precede os indivíduos e sujeitos que gostamos de ser.

At the heart of the anthropological project and the different human sciences and humanities lies a need to tackle the conundrum of human nature and condition. And yet, the conundrum persists. In fact, the reflection over the conditions and possibilities of their own existence constitutes for human beings the greatest of their abilities, as well as the most ineffable of their limits. Anthropology seldom addresses this; or when it does, it does not allow it to have a significant import in its reflections. It goes without saying that the present thesis does not try to solve the conundrum. Instead, it deals with a few aspects concerning the human condition that might shed some light on the reasons why it belongs to the nature of this conundrum to remain unsolved. Rooted in Martin Heidegger and Hans-Georg Gadamer’s hermeneutic phenomenology and taking as a starting point a rural community in north-western Japan as well as a few aspects (of an ethnographic, historical and philosophical nature) of Japanese culture, the various reflections herein consist of a dialogical approach to several issues: the nature of tradition, or of our relationship with history, the essence of places and of the act of dwelling on them, the limitations of anthropological discourse on subjectivity, reflexivity, the self and the person, and the ideas of the "divine" and of "human finitude". Central to these reflections will be an attentiveness and concern with that which precedes the individual and his or her subjectivity and reflexivity; thus, with that which grounds ontologically what we are and can be. To glimpse the conundrum, or problem, that the human is entails, first and foremost, the realisation that there is always something in what we are that precedes the individuals and subjects we like to be.